TJ-SP afasta incidência de juros sobre a multa em autos de infração de ICMS |
Embora tenha sido objeto de questionamento pelos contribuintes em diversas oportunidades, a discussão sobre a controversa fórmula de cálculo das multas aplicadas pelo Estado de São Paulo em todas as autuações para exigência do ICMS ainda não tinha alcançado os nossos tribunais de forma definitiva. No entanto, recentes decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) têm afastado a errática fórmula de cálculo da multa sobre o valor atualizado do principal, por reconhecer a ausência de previsão legal para a sua aplicação e, consequentemente, o enriquecimento ilícito do Fisco estadual. A esse respeito, é importante notar que desde 2009,, e sem qualquer autorização legal para tanto, o Fisco paulista vem calculando as multas de autuações de ICMS com base no valor atualizado do principal, considerando os juros incidentes no período entre o fato gerador (operação que deu origem ao imposto) e a lavratura do respectivo auto de infração e imposição de multa (AIIM). A redação original da Lei nº 6.374-1989 (Lei do ICMS-SP), nos termos dos artigos 85 [1], parágrafo 9º, e 96 [2], previa, originalmente, que as multas ficariam sujeitas apenas à correção monetária de seus valores básicos e que apenas o valor do imposto ficaria sujeito a juros de mora [3]. Por outro lado, a partir de 23 de dezembro de 2009, o artigo 96 foi alterado [4] pela Lei nº 13.918-2009, passando a prever que também a multa ficaria sujeita aos juros moratórios a partir do segundo mês subsequente à lavratura do AIIM. Assim, tanto o montante do principal quanto o montante da multa passaram a sofrer a incidência de juros moratórios, ainda que o termo inicial para a sua aplicação seja distinto em cada um dos casos: o cálculo dos juros sobre o montante principal tem como termo inicial o fato gerador, enquanto os juros aplicados à multa, conforme expressamente indicado na legislação (artigo 96, inciso II), têm como termo inicial o segundo mês subsequente ao da lavratura do AIIM. Contudo, ante as alterações trazidas pelo Decreto nº 55.437-2010, o RICMS-SP passou a extrapolar sua competência de regulamentar as disposições legais estaduais, determinando a incidência de juros moratórios sobre o valor básico da multa, como se observa da leitura conjunta dos artigos 527, parágrafo 9º, 565, inciso II, e, notadamente, o parágrafo 4º de tal artigo [5]. Assim, enquanto a lei sujeitou o montante da multa à aplicação de juros moratórios estaduais a partir do segundo mês subsequente ao da lavratura do AIIM, o RICMS-SP, a pretexto de regulamentar aquelas disposições, determinou a incidência da multa sobre o valor do principal, acrescido dos juros moratórios, o que evidentemente não equivale à aplicação dos mesmos juros ao montante da multa, principalmente se considerado que os termos iniciais para aplicação dos juros sobre principal-multa são distintos. Considerar como válido o racional do Fisco paulista seria anuir com a existência de um acréscimo automático sobre a base de cálculo da multa que não encontra previsão legal, o que proporciona o enriquecimento ilícito do Estado em claro prejuízo aos contribuintes, como vem sendo finalmente reconhecido de forma reiterada pelo TJ-SP. Nos últimos anos, foram proferidas diversas decisões pelo TJ-SP que indicam a necessidade de observância estrita do artigo 96, inciso II, da Lei nº 6.374-89 e, consequentemente, que os juros moratórios sobre a multa sejam aplicados exclusivamente a partir do segundo mês subsequente ao da notificação da lavratura do auto de infração, sob pena de violação à legislação estadual. Confira-se, exemplificativamente: “EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – Autuação, lavrada por creditamento indevido do ICMS e falta de recolhimento do tributo, que há de ser mantida, pois a autora não se desincumbiu do ônus da prova quanto às informações lançadas nos arquivos magnéticos – Multas aplicadas nos termos da norma do artigo 527, I, “1”, e II, “j”, c-c §§ 1°, 9° e 10, do RICMS-00 e da regra do artigo 85, V, “p”, e VIII, “x”, da LE nº 6.374-89 – Tese de confisco afastada – Multas punitivas que devem ser limitadas ao valor da obrigação principal – Precedentes do STF – Norma do artigo 96, §§ 1º ao 5º, da Lei Paulista nº 6.374-89, com a redação que lhe deu a Lei Estadual nº 13.918-09, cuja inconstitucionalidade foi reconhecida pelo E. Órgão Especial – Juros de mora, no concernente à multa, que incidem somente a partir do segundo mês subsequente ao da lavratura do auto de infração, nos termos da regra dos artigos 85, §9º, e 96, II, da LE nº 6.374-89 – Recurso da embargante parcialmente provido”. (TJ-SP; Apelação – Remessa Necessária 1001372-66.2016.8.26.0014; Relator (a): Luiz Sergio Fernandes de Souza; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Público; Foro das Execuções Fiscais Estaduais – Vara das Execuções Fiscais Estaduais; Data do Julgamento: 01-07-2020; Data de Registro: 01-07-2020 — grifo do autor) Em suas recentes decisões, o TJ-SP reconhece que não devem ser confundidos os termos iniciais dos juros de mora incidentes sobre valores do principal e da multa, uma vez que se trata de exigências distintas: “(…) Os juros de mora são aplicados de forma distinta ao imposto e à multa; os juros de mora sobre o imposto devem incidir, como disposto no artigo 96, inciso I, alínea ‘d’, da Lei nº 6.374-89, ‘a partir do dia seguinte àquele em que ocorra a falta de pagamento’. Quanto aos juros de mora sobre a multa, deve-se obedecer ao que dispõe o inciso II, do artigo 96, ou seja, incidência ‘a partir do segundo mês subsequente ao da notificação da lavratura do auto de infração’ (…)” (Embargos de Declaração nº 2049152-22.2019.8.26.0000; 1ª Câmara de Direito Público do TJ-SP; julgamento de 30.3.2020). Adicionalmente, o TJ-SP ainda atesta a ausência de mora a justificar a consideração de juros na base de cálculo da multa, na medida em que “a multa torna-se devida pelo contribuinte apenas após a ele imposta pelo Fisco. Antes disto, não há mora, porque não existia obrigação de pagamento. Veja-se que a situação não se confunde com a incidência de juros de mora sobre a multa já constituída”. Mais adiante, então, conclui que “os momentos são absolutamente distintos: antes de aplicada a multa, não existe dever de pagamento desta, logo, não há mora; após imposta, surge a corresponde obrigação de quitá-la, cujo descumprimento dá ensejo aos juros. (…)” (13ª Câmara de Direito Público nos autos da Apelação nº 3002122-30.2013.8.26.0405). Importante notar que o grande número de precedentes proferidos pelo TJ-SP nos últimos anos pode fazer com que a Fazenda do Estado de São Paulo altere sua metodologia de cálculo de débitos fiscais, da mesma forma como aconteceu com a taxa de juros paulista, que ultrapassava a SELIC, na Arguição de Inconstitucionalidade n° 0170909-61.2012.8.26.0000, que foi considerada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça paulista. Adicionalmente, é importante que os contribuintes demonstrem numericamente os prejuízos que a indevida aplicação dos juros de mora causa, como forma de corroborar com todos os argumentos jurídicos favoráveis à improcedência da aplicação dos juros de mora sobre a base de cálculo da multa. Assim, com base nos recentes julgados proferidos pelo TJ-SP, os contribuintes paulistas possuem sólidos argumentos para demonstrar a ilegalidade da aplicação de multas sobre o valor atualizado do principal (ou seja, já com o cômputo dos juros no período entre o fato gerador e a lavratura do respectivo AIIM), devendo ser afastada qualquer exigência nesse sentido sob pena de enriquecimento ilícito do Estado de São Paulo.
[1] “Artigo 85 — O descumprimento das obrigações principal e acessórias, instituídas pela legislação do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, fica sujeito às seguintes penalidades. (…)
[2] “Artigo 96 — O imposto fica sujeito a juros de mora, não capitalizáveis, que incidem: (…).” [3] Neste ponto, é necessário destacar a distinção entre as naturezas dos institutos. Enquanto a correção monetária visa preservar o poder aquisitivo da moeda mediante recomposição das perdas inflacionárias, os juros visam indenizar o credor pela privação do capital decorrente da mora. Neste ponto, é necessário destacar a distinção entre as naturezas dos institutos. No Estado de São Paulo por força da Lei Estadual nº 10.175-98, passou-se a adotar para fins de remuneração dos débitos tributários a taxa SELIC, a qual contém embutida em sua formação tanto a correção monetária quanto os juros de mora, não podendo, por isto, concorrer com qualquer outro índice, conforme reconhecido pela jurisprudência do A. STJ: “A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que não é possível cumular a Taxa SELIC com correção monetária e outros índices de juros, pois estes já estão embutidos em sua formação” (STJ, REsp nº 1.275.704-DF, Rel. Des. HUMBERTO MARTINS, 2ª Turma, j. 15.10.2013). Por essa razão, nos termos do artigo 2º da Lei Estadual nº 10.175-98, restou suspensa a correção monetária isoladamente considerada sobre débitos tributários. Assim, como a multa deveria incidir sobre “os valores básicos atualizados” e, a partir de então, não mais havia correção, tornou-se inviável, ao menos à luz da legislação, o cômputo de quaisquer encargos na composição da base de cálculo da penalidade. [4] “Artigo 96 — O montante do imposto ou da multa, aplicada nos termos do artigo 85 desta lei, fica sujeito a juros de mora, que incidem: (…) II — relativamente à multa aplicada nos termos do artigo 85 desta lei, a partir do segundo mês subsequente ao da lavratura do auto de infração. (…)
[5] “Artigo 527 — (…).
“Artigo 565 — O montante do imposto ou da multa, aplicada nos termos do artigo 527, fica sujeito a juros de mora, que incidem (Lei 6.374-89, artigo 96, na redação da Lei 13.918-09, artigo11, XVI): (…) II — relativamente à multa aplicada nos termos do artigo 527, a partir do segundo mês subsequente ao da lavratura do auto de infração. (…) §4º. A atualização do valor básico para cálculo da multa prevista no artigo 527 será efetuada mediante a aplicação da taxa prevista neste artigo, até a data da lavratura, e incidirá: 1 — a partir do dia seguinte ao do vencimento do imposto sobre o qual a multa será calculada. (…)”
Diego Caldas Rivas de Simone – sócio da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados Pedro Colarossi Jacob – advogado sênior da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados Gabriel Paolone Penteado – advogado da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados Fonte: Diego Caldas Rivas de Simone |
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